Esquema para desviar emendas usava associação comandada por servidor da própria Câmara
Novos documentos obtidos com exclusividade pelo blog da Dalvana Mendes sugerem que fatos ocorridos em novembro de 2019, período em que a Operação Faz de Conta foi desencadeada, para apurar crime de falsificação de certidões visando recebimento de recursos públicos, podem ter sido ignorados pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), que investiga o caso.
Segundo as novas informações, o presidente da Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém, Luís Carlos Ramos – o “Lula”, apontado como principal “delator” que contribuiu para o avanço das investigações, era funcionário da Câmara Municipal de São Luís no período em que o Procedimento Investigatório Criminal (PIC) foi aberto. O problema é que no inquérito ele estaria figurando apenas como líder comunitário.
No entanto, extratos disponíveis no Diário Oficial do Município (DOM) mostram que ele atuava também como Técnico de Assessoramento Legislativo, Classe I, Nível III, Padrão “J”, lotado na Câmara. Conforme Ato de Concessão de nº 2869, publicado pelo Instituto de Previdência e Assistência do Município de São Luis – Ipam, o líder comunitário que teria atuado como Chefe da Segurança do Legislativo, foi aposentado por tempo de contribuição no dia 21 de maio de 2020, seis meses após o escândalo ‘estourar’.
Esquema ignorou vedações
De acordo com a legislação, não há impedimento para que um servidor público faça parte da diretoria de uma associação, porém, há algumas exceções, que veda expressamente sua participação no comando de entidades em situações que envolvam a realização de convênios com o poder público.
É o caso, por exemplo, da Portaria Interministerial nº 507, de 24 de novembro de 2011, que em seu Art. 10, Inciso II, veda a celebração de convênios, com entidades sem fins lucrativos que tenham como dirigentes agente de órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera governamental, ou respectivo cônjuge ou companheiro, bem como parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o segundo grau.
Mesmo com o impedimento, a instituição comunitária presidida pelo servidor aposentado da Câmara chegou a firmar convênios com recursos de emendas parlamentares. Apesar disso, a apuração do Gaeco iniciada, em 2019, focou apenas na veracidade de Atestado de Existência e Regular Funcionamento, supostamente emitido pelo próprio Ministério Público em favor da Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém.
O que diz a denúncia?
As investigações apontaram que a Associação tinha recebido R$ 1.258.852,49 da Prefeitura de São Luís entre 1º de janeiro de 2014 a 30 de outubro de 2019, período em que o servidor ainda estava na ativa e chegou a ocupar cargos de chefia na Casa. Na época, verificou-se também que uma organização criminosa utilizava-se da falsificação de documentos públicos em projetos apresentados a órgãos municipais para liberação de dinheiro proveniente de emendas parlamentares de vereadores de São Luís.
Em 2019, quatro termos de fomento foram firmados pela Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém com a Secretaria Municipal de Desportos e Lazer (Semdel), para a realização dos projetos “Circuito Esportivo e Recreativo”, “Passagem Social”, “Esporte para todos” e “Praticando cidadania”, com repasse de R$ 100 mil em cada um deles.
Entre os crimes praticados está o de organização criminosa. De acordo com a Denúncia, os envolvidos constituíram e integraram uma organização estruturalmente ordenada, caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obterem vantagens mediante a prática de infrações penais.
VEJA TAMBÉM:
Pai de vereador vira réu em nova ação que investiga esquema com emendas em São Luís
Segundo as investigações, a documentação para que os projetos fossem apresentados à Semdel ficava a cargo do contador Paulo Roberto Barros Gomes. Ele receberia 6% da arrecadação da associação ou dos convênios assinados. De acordo com Luís Carlos Ramos, a Associação receberia 5% do valor das emendas parlamentares e 15% seriam destinados a outro contador. Ele seria o responsável pela elaboração dos projetos e encarregado das prestações de contas.
O presidente da Associação explicou que, ao receber os recursos públicos, entregava ao contador cheques em branco da entidade, assinados por ele e pela tesoureira Rafaela Fernandes, que eram sacados. Dos R$ 100 mil, R$ 5 mil eram entregues, em espécie, a Luís Carlos Ramos – o servidor aposentado.
Outro caso prestes a estourar
Além da Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém, outra entidade no bairro do São Francisco, que chegou a ser comandada por uma ex-servidora da Câmara, também teria sido usada no suposto esquema de desvio de dinheiro das emendas parlamentares. O escândalo, sem precedente, pode ser transformar numa versão da “Lava-Jato” capaz de derrubar metade da atual composição do Palácio Pedro Neiva de Santana, sede do Legislativo ludovicense.
Investigados voltam a delinquir
Outra situação que chama a atenção é a reincidência de alguns investigados pela Operação Faz de Conta que voltaram a delinquir e figuram na nova denúncia oferecida pelo Ministério Público à Justiça que tem como um dos réus o ex-secretário Municipal de Cultura, Carlos Marlon de Sousa Botão – o Marlon Botão, que é pai do vereador Marlon Botão Filho (PSB). Os detalhes sobre a relação dos envolvidos vamos revelar no próximo episódio da série que trata sobre o assunto.
Câmara faz homenagem à corrupção
Além disso, também vamos destacar como o depoimento de alguns denunciados contribuiu para turbinar o inquérito sobre desvio de emendas parlamentares em São Luís e a ‘homenagem’ da Câmara ao ‘delator’ do esquema com a Medalha Simão Estácio da Silveira, que neste caso, acabou sendo transformada numa espécie de ‘honraria’ à corrupção. Aguardem!
One thought on “Esquema para desviar emendas usava associação comandada por servidor da própria Câmara”