Mês dedicado às crianças também é marcado por saudade e luta por justiça
Em outubro, destinado à valorização dos pequenos, reportagem especial do blog da Dalvana Mendes, revive histórias de famílias afetadas por crimes de violência contra crianças e adolescentes

Por Dalvana Mendes
Todo ano, o mês de outubro traz consigo um clima de alegria e celebração voltado para um dos grupos mais especiais da nossa sociedade: as crianças. No entanto, o período não é marcado apenas por alegria, também é lembrado pela saudade dos pequeninos que se foram.
Muitos pais buscam manter as lembranças vivas dos filhos mortos, alguns deles vítimas da violência que já afetou milhares de crianças no Maranhão nos últimos cinco anos. Os genitores viram a ordem natural da vida ser invertida ao perderem os descendentes precocemente. Para superar a dor e seguir em frente com as boas memórias, recorrem a algumas ferramentas, como o obituário e o ativismo.
É o caso de Jaciane Borges, mãe da menina Alanna Ludimilla Borges Pereira, 10 anos, cujo corpo foi encontrado por policiais, na manhã do 03 de novembro de 2017, no quintal da própria residência no Maiobão, em Paço do Lumiar, Região Metropolitana de São Luís.
Para ela, a morte da filha não foi um ponto final. Tornar-se vírgulas e palavras. Para pedir justiça, Jaciane lançou uma página no Facebook intitulada “Sempre Lembrada”. Foi através desta plataforma, que a mãe da vítima lançou um movimento para pedir a condenação do seu ex-namorado Roberto Serejo Oliveira, condenado a 43 anos de prisão, no dia 10 de novembro de 2020.
Viva na memória
Mesmo após a sentença do acusado pelos crimes de homicídio (com qualificadora de feminicídio), estupro de vulnerável e ocultação de cadáver, Jaciane Borges tenta há cinco anos se acostumar a conviver com a ausência da filha. Em um vídeo, que foi publicado no dia 18 de março de 2019, na página que funciona hoje como obituário, ela revelou como busca manter as lembranças da filha morta.
“A gente tá tentando se acostumar com a ausência, por que é difícil. Vem lembranças, vem as palavras dela na nossa mente, no acordar que era sempre o abraço do bom dia e o beijo do eu te amo! Ainda tá muito presente na gente. A gente não esqueceu em nenhum momento. Sempre me dizem que quanto mais tempo passa, mais você vai esquecendo. No meu caso não é verdade: quanto mais tempo passa, mais a saudade aumenta”, declarou.
Traumas para vida
Os casos de violência infantil nem sempre acabam em fatalidades. Na maioria das vezes, crianças e adolescentes que são vítimas deste tipo de delito carregam consigo feridas que são difíceis ou até impossíveis de curar.
O canal de denúncias da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos registrou, nos primeiros meses de 2023, um aumento de 68% nas violações sexuais contra menores. A maioria acontece dentro de casa.
A vereadora Silvana Noely (PSB), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São Luís (CMSL), em recente pronunciamento na Casa, relatou que foi vítima do abuso na infância, integrando, inclusive, uma triste estatística da violência contra crianças e adolescentes no país.
Ela pediu para os pais observarem seus filhos e ressaltou que a maioria das ocorrências, tanto com crianças quanto com adolescentes, ocorre dentro de casa e os agressores são pessoas do convívio das vítimas, geralmente familiares.
“Conversem com seus filhos, pois, às vezes, as crianças costumam falar ou se manifestar, também através de um desenho. Elas precisam ser ouvidas”, alertou Noely, classificando ainda como absurda, a impunidade nesse tipo de crime.

Outra moradora de São Luís, de 30 anos, que não terá o nome revelado, relatou ao blog não conseguir esquecer os abusos sexuais que sofreu durante a infância e adolescência. O agressor era o próprio tio e o crime acontecia dentro de casa.
“É um trauma que carrego até hoje. Ele não penetrava, mas algumas noites me tocava. Eu não entendia o que era isso porque eu era muito criança. Só depois que eu comecei a entender. A última vez que aconteceu eu pedi socorro para minha irmã, que me ajudou, me protegeu e relatou que também acontecia com ela. Nós tínhamos muito medo e guardamos esse segredo só pra gente”, destacou.
Luta para garantir direito
O promotor Márcio Thadeu Silva Marques, titular da 1ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude, conversou com blog da Dalvana Mendes sobre o papel do Ministério Público para garantir o direito de crianças e adolescentes no Maranhão.
“Em cada Promotoria de Justiça em que se debate direito de crianças e adolescentes se tem a oportunidade de demonstrar a importância e a essencialidade dessa atuação do Ministério Público em favor das infâncias, adolescências e juventudes em nosso país”, frisou.
Dr. Márcio Thadeu também falou que quase todas as áreas de atuação do Ministério Público no estado focam na área da criança e do adolescente. Segundo ele, a intervenção marca a história individual e geracional dessas pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.
“Quando um órgão de execução do MP, em primeiro e segundo graus, seja nas áreas criminal ou fora dela, ao discutir uma questão ambiental, ou de família, ou da educação, da assistência social, da saúde, dentre vários outros temas, foca, com prioridade absoluta, nos interesses de crianças e adolescentes. Aqui se tem uma intervenção decisiva para a história e o desenvolvimento individual e geracional dessas pessoas em condição peculiar de desenvolvimento”, completou o promotor.

O representante do Parquet também enfatizou a importância de outras mãos, assim com as leis, outras que possam auxiliar o órgão para dá mais celeridade ao menor.
“Com a Lei Henry Borel o Conselho Tutelar passou a ter maior possibilidade de acionar diretamente o Poder Judiciário em casos de violência doméstica e familiar contra crianças e adolescentes, além de ter ampliada a possibilidade de representação imediata ao MP, para os casos que demandam a judicialização”, pontuou.
Papel do Conselho Tutelar
Por fim, ao concluir o bate-papo, o promotor de Justiça da Infância e Juventude destacou o importante papel do Conselho Tutelar junto ao órgão que atua em defesa da ordem jurídica.
“Nesse sentido, não só tramitam encaminhamentos no sentido Conselho Tutelar ao MP, como há um fluxo no sentido inverso. A maior colaboração se dá na rapidez, na precocidade desses encaminhamentos e na completude das informações, para que a resolutividade seja alcançada de forma imediata”, concluiu Marques.
Números da violência no MA
Apesar dos avanços, os números de ocorrências de violência contra crianças e adolescentes nos órgãos de segurança pública seguem alarmantes. De 2016 a 2020, 35 mil crianças e adolescentes foram assassinados no Brasil, uma média de 7 mil por ano, segundo estudo da Unicef e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgado em 2021.
De acordo com dados obtidos junto ao Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAO-IJ) do Ministério Público Estadual, o Maranhão registrou um aumento no total de crimes de violência sexual contra crianças e adolescentes. Em 2018, foram 618 casos; em 2019, o número subiu para 732. Nos anos de 2020 e 2021, por causa da pandemia, houve uma queda, respectivamente, para 409 e 553 registros. Já em 2022, foram 990 registros.
O promotor Gleudson Malheiros, coordenador do CAO-IJ, destacou que houve avanços, mas os números seguem alarmantes, com 47 mil ocorrências de violência contra crianças e adolescentes nos órgãos de segurança pública.
“De fato, muita coisa mudou. Temos leis muito mais apropriadas para esse enfrentamos, mas nem por isso está sendo tão efetivo. Nosso desafio é buscar a forma de atender as vítimas e responsabilizar os agressores”, declarou Malheiros.
Segundo ele, uma das maiores dificuldades está em pôr em prática a legislação. “É implementar o que a lei traz, que é a articulação e integração dos órgãos de proteção, que são importantíssimas”, assinalou o promotor.

Conheça os principais sinais de violência e abuso:
•Hematomas e fraturas constantes
•Uso de roupas compridas, mesmo no calor, para esconder machucados
•Queimaduras de repetição
•Cobrir o rosto com as mãos quando adulto fala mais firme
•Mudanças bruscas de comportamento: criança se torna mais agressiva ou quieta e triste
•Mudanças no padrão de alimentação ou sono: passaram a comer e dormir muito mais ou muito menos
•Regressão de comportamento: voltar a usar fraldas, fazer xixi na cama, crises de choro
•Atrasos no desenvolvimento
•Comportamento sexualizado, inadequado para a idade
•Demonstrar medo de algum parente ou adulto próximo à família
Como proteger as crianças
A Constituição Federal estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente direitos fundamentais, além de colocá-los a salvo de toda forma de exploração e violência. Veja como denunciar casos de maus-tratos e negligência a crianças e adolescentes:
Disque 100 – Disque Direitos Humanos
Número da Secretaria de Direitos Humanos recebe denúncias de forma rápida e anônima e encaminha o assunto aos órgãos competentes no município de origem da criança ou do adolescente. Disque 100 de qualquer parte do Brasil. A ligação é gratuita, anônima e com atendimento 24 horas, todos os dias da semana.
Ministério Público
Os promotores de Justiça têm sido fortes aliados do movimento social de defesa dos direitos da criança e do adolescente. Todo Estado conta com um Centro de Apoio Operacional (CAO), que pode e deve ser acessado na defesa e garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes. Clique aqui para ver os números do CAO do Maranhão.
Denúncia online
Na aba ‘DISQUE 100’, você escolhe o assunto e escreve a denúncia. Pode escolher a opção ‘anônimo’. Clique aqui para acessar o site.
Polícia Militar
Número 190 é o número de telefone da Polícia Militar que deve ser acionado em casos de necessidade imediata ou socorro rápido. O 190 recebe ligações de forma gratuita em todo o território nacional.
Conselho Tutelar
O Conselho Tutelar é um dos órgãos de proteção e que também recebe denúncias de violações dos direitos das crianças e adolescentes. Em São Luís, os Conselhos Tutelares estão divididos em 10 áreas. Clique aqui e confira o mais próximo de você.
Disque-Denúncia
O Disque Denúncia atua no combate à violência contra o idoso, a mulher, as pessoas com deficiência e a criança e ao adolescente. O serviço é responsável por receber denúncias realizadas pelos cidadãos maranhenses. A denúncia pode ser feita pela internet, no site da SSP, WhatsApp ou ligação. Clique aqui e confira um passo a passo.