Artigo: A Solidariedade na Pandemia
Por Dr. Gutemberg Fernandes de Araújo
Nos preparemos. Mesmo com a chegada das vacinas, a possibilidade de uma “vida normal” ainda está distante, segundo cientistas. Protocolos como uso de máscaras e distanciamento social, entre outros cuidados, ainda devem fazer parte do cotidiano da população em 2021.
Mesmo que se perceba uma grande parte da população aceitando as recomendações das autoridades sanitárias, o comportamento de uma minoria muito representativa, já está causando aumento na incidência de casos e de mortes.
Em um breve histórico, as aglomerações durante a campanha eleitoral, festas do final do ano, férias de janeiro e o carnaval trouxeram a possibilidade de aumento dos casos.
Temos um senhor Programa Nacional de Imunizações (PNI), de 45 anos, que eliminou a varíola e a poliomielite do país. Vacinou 18 milhões de crianças contra a poliomielite num só dia, 100 milhões de pessoas contra a H1N1 em três meses, em 2010, e 80 milhões contra a influenza, em 2020.
Entretanto, só isso não basta. Aplausos sim para a ciência, capaz de inventar vacinas em apenas 10 meses. Somos a primeira geração capaz de criar, em tempo real, uma resposta.
Algo sem precedente na história. Essa conquista traz consigo maiores desafios: produzir centenas de milhões de doses, distribuí-las e, mais importante, convencer as pessoas para que se vacinem.
O SUS tem uma capilaridade que nenhum outro país tem. Se a gente tivesse vacina, vacinaríamos todo mundo muito rapidamente. Assim, não há razão para desconfianças. As vacinas diferem em eficácia — Coronavac com 50%, Pfizer, 95%, e AstraZeneca/Oxford com uma média de 70% — mas todas são muito bem-vindas e ajudarão a reduzir a taxa de transmissão da Covid-19.
Embora a rapidez do desenvolvimento tenha sido outro ponto de dúvidas do público, dá para confiar tranquilamente nas vacinas.
Esses modelos são estudados há décadas. Foram investidos, bilhões, recrutaram as melhores cabeças e aumentaram a capacidade produtiva. Mas nenhuma etapa dos testes de segurança foi pulada.
Dentro desse contexto, os especialistas afirmam ser necessário um nível de cobertura vacinal de 75% para que a sociedade atinja um nível de imunização em que os efeitos benéficos da vacina sejam percebidos.
O tempo de alcance desse nível de (75%) dependerá da quantidade de vacinas dispensadas pelo governo.
Espera-se que aconteça no menor tempo, pois enquanto isso, o vírus segue se propagando.
A partir de então, conquistaremos a imunidade de grupo, seja de maneira natural, porque o vírus infectou quantidade suficiente de pessoas para isso — com enorme custo humano —, ou porque muita gente se vacinou.
Ao mesmo tempo, devemos procurar nos recuperar dos impactos sociais, psicológicos e econômicos.
Pessoas sem emprego passando dificuldades extremas, empresas fechadas, crianças sem estudar, profissionais da saúde exaustos física e psicologicamente. Quantas famílias de luto. Superar todos esses problemas não será algo rápido.
A bem da verdade, este cenário virulento além de um fenômeno biológico é também social. Se consultarmos os relatos da peste de Atenas em 430 a.C são exatamente os mesmos de hoje.
A insegurança dos profissionais tratar uma doença desconhecida, a mortandade primária daqueles que cuidavam dos doentes. Mudou apenas a estação. Desinformação, negação, mentiras, superstições, sempre estiveram presentes em todas elas. Outra característica das pandemias é a dor, o sofrimento e a solidão.
Há uma perda generalizada: sentimental, social, existencial, estrutural. Ou seja, vivemos uma temporada de dor.
Se me perguntarem o que acontecerá, não sei. O que sei é que precisaremos não só de uma vacina, mas de várias. Ressalvo que, contudo, as mutações já ocorridas no Sars-coV-2 ainda não são suficientes para torná-lo resistente às vacinas atualmente produzidas ou já aplicadas.
Além da vacina, repito a necessidade de uma adesão em massa à imunização. O ato de vacinar transcende um desejo pessoal.
É um poderoso instrumento de saúde pública que só funcionará coletivamente. Se for encarado com solidariedade, colaboração, responsabilidade. Apaguem o eu e escrevam o nós.
Eu me vacinando me protejo, protejo a você e toda a sociedade.
Dentro desse cenário de incertezas, existem certezas.
Certeza 1. Vamos precisar usar máscaras – As máscaras se tornaram parte do nosso vestuário e isso vai seguir por um bom tempo. O ideal seria que incorporássemos essa peça definitivamente.
Certeza 2. O distanciamento social deve continuar – O distanciamento mínimo para evitar pegar o vírus de alguém infectado é de 1,5 metro. Diante de um espirro, uma gotícula com vírus dentro pode voar até 8 metros em alguns segundos.
Certeza 3. Lavar as mãos – 20 segundos de contato com o álcool em gel a 70% ou água com sabão para o Sars-CoV-2 ser eliminado das mãos.
Higienize-se antes e depois de tirar a máscara. Ao entrar e sair dos lugares. Ao tomar contato com superfícies. Outro hábito que deve torna-se definitivo.
Certeza 4. Precisamos que mais vacinas sejam distribuídas em tempo de não quebrar essa cadeia positiva.
Certeza 5. Adesão da população à imunização.
Por fim não pergunte somente o que os governos estão fazendo para combater a pandemia. Pergunte: o que você está fazendo ou o que pode fazer? Vamos manter uma consciência cívica. Caso contrário, poderá chegar o momento que não disporemos de leitos e o caos ficará instalado. Não cheguemos a tanto. Aos gestores, a certeza de que deverão estar com um olho voltado para a pandemia e o outro para as situações não COVID que já não são poucas e precisam de solução. A palavra-chave nesse momento é solidariedade. Gestores, população juntos de mãos dadas num esforço coletivo.
Dr. Gutemberg Fernandes de Araújo
Médico, Prof. Dr. de Cirurgia da UFMA, Membro da Academia Maranhense de Medicina, Autor do Livro “Desafios na Gestão da Saúde Pública no SUS”, Vereador de São Luís.
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